Understanding the unseen path taken by your teacher might be just as important as the adjustments to your positions in class. An interview with Brazilian Yoga teacher Gilberto Schulz.
Conhecer os caminhos experienciados mas pouco revelados pelo teu professor de yoga pode ser tão importante quanto os ajustes das posturas dele. Uma entrevista com o professor de yoga, brasileiro, Gilberto Schulz.
- How did your own practice evolve and when did you become a teacher?
- Como evoluiu essa sua prática e quando você se tornou professor de yoga?
The desire and need to construct my own personal practice was what triggered the process to become a teacher. When I began, the fact that I didn’t have the money to do more than one class a week, together with a need to obtain the effects of a more frequent practice, led me to take a more discriminating look at the classes in order to fully comprehend the adjustments of posture and the logic of the sequences, as well as to bring me closer to the teacher so as to obtain further recommendations for reading, etc. I was as at a difficult point in my life, and yoga was a godsend, although I had not yet fully comprehended why. That is why I jumped head first into the practice that led to a teacher training course and other courses I had done in parallel. Today, my practice is quite different that it was ten years ago: it is simpler, shorter, and more organically divided along the day, mainly in the morning and at night. Besides practicing the pranayamas and asanas according to my emotional state, there is also meditation and puja (ritual of gratitude for the universe), which are two practices that go hand-in-hand. Taking the wider look, the practices have become part of a daily conditioning, providing fertile ground to cultivate an attitude of karma yoga: seeking to always do my best and dealing with the results with equanimity despite the various internal and external scenarios.
A vontade e a necessidade de ser capaz de construir minha prática pessoal foi o que desencadeou meu processo de formação como professor. Quando comecei a praticar eu não tinha condições financeiras para fazer mais de uma aula por semana, isso somado a necessidade de obter os efeitos da prática com mais frequência me fizeram a lidar com as aulas com um olhar mais aguçado, buscando entender plenamente os ajustes, a lógica das sequências e a estreitar meu relacionamento com o professor para que me orientasse, indicasse leituras etc. Passava por um momento muito difícil da minha vida e o yoga estava sendo um grande remédio sem eu nem entender direito como, por isso mergulhei de cabeça o que culminou com o curso de formação e os outros cursos que fiz paralelamente. Hoje em dia minha prática é bem diferente do que fazia 10 anos atrás, ela é mais simples, mais curta e mais orgânica dividida ao longo do dia, principalmente na parte da manhã e da noite e envolve, além das posturas e pranayamas de acordo com meu estado emocional, meditação e puja (ritual de apreciação da ordem cósmica) que são duas frentes que andam de mãos dadas. E de um ponto de vista mais amplo, essas práticas se estendem no meu dia-a-dia como um treino e um adubo para o cultivo da atitude de karma yoga, procurando fazer o meu melhor e lidando com os resultados com equanimidade nos mais variados cenários externos e internos.
- What is the most difficult part about being a yoga teacher?
- Qual é a parte mais difícil ser um professor de yoga?
I think the most difficult was the transition from a practitioner, a student who was discovering and consolidating yoga in its broadest sense, to someone that would teach others how to do so. Although it was a slow process, the intensity with which I related to yoga lead me beyond the confines of class that I had previously had as a reference. Early on, I accompanied the practice with study, deepening the sense of psycho-physical techniques and verifying their importance within myself. I had thought a lot about remodeling the structure of this system that had been crystalized from yoga classes in order to stimulate further interest of students while diving deeper into the practice. Yet, in time I realized that each student deals with a practice at a certain level, and this adds yet another challenge to being a yoga teacher: how to meet the various needs and desires of each individual seeking yoga; whether it be to alleviate a backache; to regulate breath and quiet the mind; or to safely teach a challenging posture while trying to convey that that is not the only thing the practice has to offer.
Achei difícil a transição entre ser um praticante, estudante, alguém que estava descobrindo e implementando o yoga de uma forma bem abrangente na própria vida para a posição de alguém que teria de ensinar como fazer isso. Mesmo tendo sido um processo lento, a intensidade com a qual me relacionei com o yoga me levou além dos modelos de aula que eu tinha até então como referência. Desde cedo por iniciativa própria aliei a prática ao estudo, aprofundando o sentido das técnicas psicofísicas e por verificar em mim a importância dessa junção, pensava bastante nas possibilidades de remodelar essa estrutura bastante cristalizada de aula de yoga de modo a pelo menos instigar mais o interesse nos alunos em também mergulhar mais fundo. Em meio a essas considerações, ao longo do tempo dando aula conclui que cada um lida com a prática num nível e esse é mais um desafio em ser um professor de yoga, atender necessidades e anseios variados das pessoas que buscam o yoga. Ajudar a aliviar uma dor nas costas, mostrar meios de regular a respiração e aquietar a mente, ensinar a fazer uma postura desafiadora de forma segura enquanto, ao mesmo tempo, ir propondo uma resignificação da prática mostrando que não é só isso que ela tem a oferecer.
- What is the most important part of a practice that your students do not see in class?
- Qual é a parte mais importante da prática que não é revelada na sala de aula?
It is my understanding that the practice of yoga itself is actually invisible to the eye, since it resides in an attitude with which we deal with the body, emotions and the mind. This attitude is born from an understanding that comes from a process of learning – which I have noticed causes some estrangement in students, since this process involves not only having to deal with one’s [physical] performance but consolidating a comprehension while in the middle of what appears to be just a physical exercise. From a purely asana [yoga postures] perspective, although a posture can appear to be perfect, it can be executed poorly and even cause a lesion. It is quite common for students to have an excessive desire to execute postures perfectly, becoming dissatisfied with their performance, thereby rendering their asanas as a pretext to inflict self-harm. Limiting yoga to an activity that is merely of muscle and bone only acts as a veil that obfuscates a more profound understanding.
A prática de yoga em si no meu entendimento é invisível aos olhos, pois seu fundamento reside na atitude com que lidamos com o corpo, com as emoções e com a mente. E essa atitude nasce de um entendimento, depende de um processo de aprendizado teórico e noto que isso causa estranhamento nos alunos, em meio a uma atividade aparentemente física ter que lidar não só com desempenho, mas também e principalmente com entendimento. Até mesmo do ponto de vista dos asanas, uma postura pode estar visualmente perfeita e ainda assim, estar sendo mal feita a ponto até de causar uma lesão. É comum alunos manifestarem sua insatisfação consigo mesmo na forma de um excesso de vontade em realizar perfeitamente uma postura, a postura vira um pretexto para uma auto-agressão. As noções limitadas a respeito do yoga, vinculando essa atividade meramente aos músculos e ossos também funciona como um véu que bloqueia a visão para um entendimento mais profundo.
- I think that it is of no coincidence that the search for a discipline, such as yoga, happens when we most need it. You mentioned you had been going through a hard time when it happened to you. Can you tell us more specifically what had been the trigger for you?
- Acredito que não é coincidência que a necessidade de uma disciplina como yoga se apresenta justamente no momento que mais precisamos dela. Você falou que estava passando por um momento difícil quando você se iniciou na prática. No teu caso, o que foi exatamente que desencadeou esta busca?
Let’s say I was caught among some complicated circumstances, particularly regarding my family structure, which was quite fragile. My parents each had their own way of dealing with their difficulties – my mother a psychiatric patient and my father chemically dependent – and then there was me, their only child. The financially sound pillar of the family was my maternal grandmother who died when I was 18 years old. Exactly at that critical time of life when one starts to feel the weight of the future, I was watching the present collapse around me, both financially and emotionally. Overnight, I went from spoiled grandson to the very supporting pillar of the family structure. Faced with such challenges, I did what I could under the circumstances, but it seemed that all efforts were not producing results. Like many others, I turned to a wide array of esoteric readings that were a good escape valve until I stumbled upon yoga. In the middle of the internal and external chaos of my life at the time, what was bothering me the most was my posture; I felt like I was becoming a hunchback. Today I understand why, but at the time it was just instinct that something was wrong. Focusing on this concern as if it were the most important problem to solve, I wanted to do GPR (Global Postural Re-education) but I couldn’t afford it. That was when my girlfriend – who is still by my side until today – remembered that she had done yoga when she was 10 years-old at the recommendation of a physiotherapist, and the idea was set to sail. Coincidentally, not only did I notice that there was a yoga studio on my street the very next day, but the teacher was the same one who had taught my girlfriend as child, leaving me with a sense of serendipity that was both reassuring and inspiring. The very first class seemed a blessing: not only did I distinctly feel the possibility of improving my posture, I experienced physical and psychological phenomena that surprised me. It was as if that practice saved me from drowning. I was alleviated and elated at the same time. As my posture improved and my studies were deepening, I felt as if I gained new breath with which I was recuperating my self-esteem and gaining a calmer, clearer mind. Due to that initial transformation, I began to face challenges with a different attitude, and then some doors started opening, including a placement at the Federal University of Rio de Janeiro, which in turn unfolded into an internship that became the basis for a training course, two years after my initial contact with the practice of yoga. Ten years have passed now, ten years of many changes…
Encontrava-me numa situação bastante delicada resultado de uma série de circunstâncias, a começar pela minha estrutura familiar um tanto quanto frágil. Meus pais, cada um a sua maneira com sérias dificuldades na condução de suas próprias vidas, minha mãe paciente psiquiátrica e meu pai dependente químico. E eu, filho único deles. O pilar financeiro e emocional era minha avó materna que faleceu quando eu tinha 18 anos, naquele momento da vida naturalmente crítico no qual começamos a sentir o peso de ter que pensar o futuro e eu vendo o presente desmoronando, financeira e emocionalmente, passando da condição de neto mimado para o de pilar de uma família desestruturada. Diante disso, fazia o que podia para lidar com tal condição, esforços que não pareciam produzir resultados. Apoiava-me em leituras esotéricas variadas que funcionavam mais como uma válvula de escape, até que o yoga se apresentou de forma inusitada. No meio desse caos interno e externo, minha estética postural começou a me incomodar mais do que tudo, me sentia cada vez mais corcunda, hoje entendo a relação entre uma coisa e outra, mas na época foi meramente instintivo. Foquei em solucionar essa questão como se fosse a mais importante e decidi procurar algum lugar gratuito ou barato para fazer RPG, como não estava encontrando, minha namorada, que está comigo até hoje, lembrou ter feito yoga quando tinha 10 anos por recomendação de um fisioterapeuta e lançou essa ideia no ar. No dia seguinte, vimos que em frente à rua onde moro havia um espaço de yoga, “coincidentemente” o professor era o mesmo com quem ela havia feito as aulas quando criança, o que já criou uma conexão e um ambiente favorável. Nessa primeira aula, além de verificar a possibilidade de melhorar minha postura, observei uma série de sensações físicas e efeitos psicológicos que chamaram muito a minha atenção, era como se aquela prática estivesse me salvando de um sufocamento, fiquei ao mesmo tempo aliviado e encantado. Conforme melhorava minha postura e me aprofundava nos estudos, fui ganhando um novo fôlego, recuperando a autoestima e conquistando uma mente mais tranquila e clara. Devido a essas transformações iniciais, passei a encarar as dificuldades com outro olhar e uma série de portas foi se abrindo, entre as quais o acesso a uma vaga na Universidade Federal do Rio de Janeiro que se desdobrou num estágio que deu base para a realização do curso de formação dois anos após o primeiro contato com a prática. E lá se vão 10 anos de muitas mudanças desde esse primeiro encontro…
- What is the difference between a more traditional yoga class and Yoga at Home?
- Qual a diferença entre yoga mais tradicional e Yoga em Casa?
When I started, I noticed a certain resistance from some teachers to encourage practice at home, but since I had had no choice when I started, need led me to do so anyway, and I think I was successful to a certain degree. Therefore, I encouraged this idea in the very first classes I taught. Today, with all the technology available and the growth of online classes and distance learning, practice at home has spread and is seen as quite normal. I have to admit that, at the time, I felt a bit subversive in doing so, since I had also understood the importance of having the instruction of a competent teacher, according to more traditional models of yoga study. However, my own practical experience and continued understanding of the culture from where yoga was born revealed the opposite: home practice is actually more traditional than that of a studio – that is, of course, under the guidance of a teacher. Upon comprehending that yoga is an unbroken line of knowledge that has been transmitted from generation to generation and that it is to be applied in daily life based on what one has learned from someone who has undergone the same process of learning, together with one’s own personal experiences, it becomes a cumulative, living knowledge that can respect the past without ignoring the present. I think that is why I consider today’s contemporary yoga class something more commercial than traditional, bordering on some unreachable idealization. Therefore, by establishing a relationship with yoga via a teacher who has undergone the same learning process, an individual who has the desire to construct their own practice tends to develop a closer, living relationship with this knowledge – that is, of course, if such desire is based on a genuine interest in learning.
No inicio percebia certa resistência de alguns professores de yoga em estimular a prática em casa, mas como a necessidade me fez seguir por esse caminho e isso ocorreu de forma bem sucedida, decidi estimular essa ideia já nas primeiras aulas que conduzi, hoje por conta do progresso tecnológico e do crescimento desse mercado de aulas online, à distância, isso se disseminou e sinto que já é visto com mais naturalidade. Confesso que naquela época, num primeiro momento, cheguei a me sentir um pouco subversivo, também entendia que a prática de yoga tinha que ser acompanhada por um professor seguindo aquele modelo de aula dos estúdios de yoga. Porém, a minha experiência prática e o aprofundamento na cultura que foi o berço do yoga me revelou o contrário, que a prática em casa pode ser mais tradicional que num estúdio, isso, é claro, se contar com a orientação de um professor. Entendendo por tradição um fluxo de transmissão de conhecimento passado de geração a geração e que é aplicado no dia-a-dia com base no que foi aprendido de alguém que já passou por esse mesmo processo de aprendizado somado às suas próprias experiências, compreendo que se trata de algo cumulativo e vivo, respeita o passado sem negligenciar o presente. Nesse contexto considero o modelo de aula que observamos nos dias de hoje na maioria dos espaços de yoga costuma ser algo mais comercial que tradicional e o conceito de yoga tradicional além dessas questões beira uma espécie de idealização inalcançável. Por outro lado, ao estabelecer uma relação com o yoga por intermédio de um professor que passou por esse processo de aprendizado, uma pessoa com a disposição de aprender a melhor forma de construir sua prática em casa tende a estabelecer uma relação mais íntima e mais viva com esse conhecimento, isso é claro, se tiver como base um interesse autêntico.
- How does one juggle daily activities with the practice of yoga?
- Como você manobra sua prática de yoga entre todas suas atividades diárias?
As I mentioned, we have to respect the present: a system configured as part of post-industrial and post-technological revolution that obliges us to pursue daily capitalist survival. Each moment occurs with its karmas, some of which are easy, others require moving mountains. Yoga is by no means supposed to head-bunt our present life the moment we begin or decide to initiate a practice. We can consider changing our lifestyle, and yoga can be a great ally in doing so, but we have to begin from exactly where we are. That means that if what is possible is only five minutes of daily deep breathing—fine. It just might be enough to spark an initial clarity that opens up space to implement a new discipline, whether it be a daily sun salutation, reading, meditation, a retreat, or a course. We each step in our own direction and at our own pace with the help of the Universe.
Seguindo o raciocínio da resposta anterior, temos de respeitar o nosso momento presente e ele se configura hoje de forma única, pós-revolução industrial e tecnológica assentado num sistema capitalista que nos obriga a correr atrás da nossa sobrevivência diária. Cada um com seus karmas, uns com mais facilidade outros tendo que matar um leão por dia. O yoga não é para bater de frente com a vida que dispomos no momento que iniciamos ou decidimos iniciar a prática, podemos considerar mudar nosso estilo de vida e o yoga pode ser um grande aliado nisso, mas devemos partir de onde estamos. Se a possibilidade for 5 minutos de respiração profunda, ótimo, isso poderá gerar uma clareza inicial abrindo espaço para a implementação de uma nova disciplina, em seguida uma prática da saudação ao sol diária, uma leitura, uma meditação, um retiro, um curso de aprofundamento e assim vamos cada um no seu ritmo com as bênçãos do Universo.